quinta-feira, 29 de março de 2012

Seleção de crônicas

Postarei no blog algumas crônicas de temas variados. É minha intenção divulgar importantes textos desse gênero, junto a outros publicados recentemente. As duas crônicas abaixo têm um assunto comum: a morte de pessoas desconhecidas do público. A primeira -- "Meu primo Raul" -- é do antropólogo Roberto DaMatta. A segunda -- "Luto da família Silva" --, de um dos nossos maiores cronistas: Rubem Braga. Espero que gostem.

Roberto DaMatta: "Meu primo Raul"


Ao lado de Chico Anysio, que vi e admirei uma ou duas vezes no teatro e em incontáveis ocasiões na telinha da televisão, partiu meu primo Raul Augusto da Matta. Chico é notícia necessária da mídia e, no jornal, ocupa toda uma página. Raul é personagem da humilde coluna. Ao jornal às notícias; à crônica, os fatos da vida e da morte que pertencem eventualmente ao cronista e por meio dele podem, quem sabe, recompensar o leitor. Mesmo quando o seu centro é um morto desconhecido da maioria e o texto fala da perda e do luto.
Será preciso lembrar o poeta inglês John Donne, quando ele descobria que nenhum homem é uma ilha - todo homem é parte de um continente? E que, quando os sinos dobram, eles têm a autoridade de dobrar para todos nós e também para o meu primo Raul? "A morte de todo homem", segue o poeta, "diminui-me porque eu estou envolvido na humanidade."
Estou mais pobre, mas se não fosse por essa morte, eu não seria alcançado pelo poderoso badalar dos sinos que tocam por todos nós. Meus olhos estão turvados, mas eu ouço os sons que nos unem e inventam insuspeitas teias de solidariedade, porque não há como ficar indiferente ao nascimento e à morte.
Todas as vidas tocam - querendo ou não - muitas outras vidas. E Raul atingiu a vida de nossa família primeiro na Rua Nilo Peçanha, 31, no Ingá, casa dos nossos avôs Raul e Emerentina; depois, no apartamento de Renato e Lulita, meus pais, no Edifício Abaeté, aqui, em Niterói.
A mediunidade da literatura me deixa ver Raulzinho pela primeira vez. Ele chega, menino alto e de calça curta, segurando uma pequena maleta de Laranjeiras, Rio de Janeiro. Naquele tempo, eu imaginava a Rua das Laranjeiras como sendo um laranjal e o Rio de Janeiro como a cidade que tinha todos os cinemas do mundo na Cinelândia. Raulzinho deixava meus avós orgulhosos e despertava inveja nos meus irmãos e em mim, porque ele tinha o mesmo nome do meu avô, o velho Raul, desembargador aposentado e sisudo, cujo prazer mais visível era fumar um charuto aos domingos. Aos 10 anos, Raulzinho realizava a façanha de vir das Laranjeiras ao Ingá, em Niterói, tomando bondes e barcas. Era órfão de pai e visto como audacioso por andar contando somente com ele mesmo. Logo que chegava, vovó telefonava para a sempre elegante e bonita tia Celeste, mãe do primo, avisando que estávamos todos juntos, brincando.
Naquele tempo, a morte estava longe de mim. Roberval, o pai de Raulzinho, havia morrido quando ele era uma criança de 4 anos. Uma variedade de lúpus o levou em 19 dias aos 39 anos, numa morte que foi o maior golpe vivido por meus pais, tios e avôs, sobretudo pelo meu avô Raul. O nome do meu primo falava desse amor feito de obediência, respeito e amizade, tão difícil de articular entre Raul e esse Roberval roubado pela morte. Raulzinho era o testemunho vivo dessa ausência. Vocês não sabem o que é não ter pai, dizia ele para nós, cujo pai - sempre presente - não permitia imaginar essa experiência.
Hoje, como membro da fraternidade dos que enterraram filhos, estou seguro que a postura soturna de vovô tinha muito a ver com esse Roberval que foi o primogênito de Raul e Emerentina, dois viúvos que se uniram com filhos dos seus primeiros matrimônios. Roberval transbordava de gosto pela vida. Dançava como Fred Astaire e, estudante de Medicina, deu a um viúvo e a uma viúva, cujo marido foi assassinado na Manaus de 1908, a prova de que a vida, afinal e a despeito de tudo, valia a pena. Ele está imortalizado numa fotografia - alto e bonito - ao lado de meu avô Raul, igualmente alto e bonito. Detalhe: pai e filho estão de chapéu, gravata, colete e de mãos dadas, como deve ser.
Raulzinho se parecia com o pai. Foi ator e empresário. Casou-se com a atriz Leina Krespi (que morreu em 2009), teve Patricia e Georgia e escreveu a peça Caiu Primeiro de Abril, que fez muito sucesso em 1964.
A morte obriga a recordar a beleza e o encanto do primo. Estudante de teatro, Raul fazia laboratório com as suas apaixonadas. Declarava, representando, um amor incondicional para, na semana seguinte, desfazer suas promessas, deixando as moças em lágrimas e às vezes encaminhado-as a nós, os primos comuns que não moravam no Rio e não possuíam o carisma do ator.
Como não lembrar de Raulzinho, Romero, Fernando, Ricardo, Renato, Ana Maria e eu dançando com vovó Emerentina, viúva e jogadora inveterada de pife-pafe e pôquer, capaz de viver com alegria mesmo tendo enterrado tantos filhos, uma das canções de My Fair Lady na nossa sala de visitas? Fizemos uma roda ao som do maravilhoso I'm Getting Married in the Morning, demos as mãos e, com Emerentina no centro, dançamos sacralizando o apartamento com a música e o amor que amenizam as diferenças e as dores.
Raul está hoje com todos os meus mortos que você, querido leitor, não conheceu, mas sabe muito bem quem são. A menos que você não tenha amado, a menos que você jamais tenha ouvido o grande sino que dobra por todo nós.
Um dia, quando eu também estiver nessa terra dos esquecidos e, às vezes, lembrados somente para serem definitivamente deslembrados, nós todos - Raul, Raulzinho, Emerentina, Amalia, Renato, Lulita, Roberval, Rosalvo, Oyama, Kronge, Marcelino, Silvio, Yolanda, Fernando, Rodrigo, Renatinho, Regina - e muitos outros; todos esses seres amados, vamos nos encontrar e dançar debaixo dos acordes do piano de mamãe, na celebração desse casamento combinado com o fim. O fim sem o qual não seríamos como o Raul desta crônica, amados e pranteados porque somos tudo: apenas humanos.

Publicado em: O Globo, Rio de Janeiro, 28 mar. 2012, p. A7.



Rubem Braga: "Luto da família Silva"

            A Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia. O homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos "Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
João da Silva — Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar essa homenagem. Nós somos os joões da silva. Nós somos os populares joões da silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos o nosso nome de família. Usamos o sobrenome “de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada uma boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.
João da Silva – Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho – vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.
Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...

Junho de 1935

domingo, 25 de março de 2012

Sebastián Borensztein: "Um conto chinês"


Na semana passada, vocês redigiram uma notícia a partir de títulos sobre acontecimentos extraordinários. O roteiro do ótimo filme Um conto chinês também foi criado a partir de uma notícia bastante incomum: uma vaca cai do céu e mata uma jovem. Vale a pena ver. O filme é ótimo. Aqui está o trailer.

Jornal O Dia: capa sobre a morte de Chico Anysio

Como temos discutido o texto jornalístico, publico a capa do jornal O Dia a respeito da morte de Chico Anysio. É muito interessante a concordância verbal na manchete. A resposta para o uso incomum está nas imagens e no pequeno texto na capa. Divirtam-se reconhecendo as personagens de Chico e lendo essa bela página de jornal.

domingo, 11 de março de 2012

Revista Piauí: "Mulher filé dá capilé a repórter nerd"

Na aula passada, lemos um trecho da reportagem "Mulher filé dá capilé a repórter nerd". Quem se interessou pelas manchetes do Meia Hora e quiser saber mais sobre o jornal, pode ler o texto integral. Está aqui: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-28/anais-da-imprensa/mulher-file-da-capile-a-reporter-nerd

quarta-feira, 7 de março de 2012

Indicação de leitura: "À sombra das chuteiras imortais", de Nelson Rodrigues

Queridos:

Como prometido, divulgo o endereço onde vocês podem encontrar o livro sugerido para este semestre: À sombra das chuteiras imortais, de Nelson Rodrigues. Lembrem-se de que o livro está esgotado. Portanto, só pode ser encontrado em sebos ou na internet. O endereço é este: http://www.acervodanet.com.br/icontrole/images/produtos/0d850e4f5e.pdf

segunda-feira, 5 de março de 2012

domingo, 4 de março de 2012

Boas-vindas

Queridos:

Este é o nosso blog. Comentem, participem, enviem textos, façam deste um espaço de todos nós. Para dar as boas-vindas ao nosso ano letivo, publico aqui um curta-metragem a respeito de um poeta lido em nossa primeira aula. Aproveitem!

Fernando Sabino e David Neves: "Poesia, música e amor"