sábado, 21 de abril de 2012

Repórter Rio: reportagem televisiva a respeito do Colégio Pedro II

O portal da escola divulga com destaque esta reportagem televisiva acerca do Colégio Pedro II: http://www.youtube.com/watch?v=4HjwmngvnLk A matéria não tem exatamente o mesmo tema do trabalho de vocês, que se centra nos sessenta anos da Unidade Humaitá. No entanto, pode ajudá-los.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mário Filho: O futebol e a moda

Mário Filho foi irmão de Nelson Rodrigues e um importante jornalista esportivo. O nome do estádio do Maracanã foi dado em sua homenagem.
O FUTEBOL E A MODA
Como os vestidos das mulheres, os calções dos jogadores de futebol sobem e baixam. O caso de um Telê é raro. Telê usa calções largos e compridos, batendo nos joelhos, feito os jogadores de outros tempos. Há pessoas assim, que se fixam numa moda qualquer. Conheço uma que ficou em 18, como o almofadinha caricaturado por Jota Carlos: colarinho alto, de pontas arredondadas, colado ao pescoço, estufando a papada, as mangas do paletó curtas, as mangas da camisa compridas, sobrando, gravata-borboleta, paletó bem cintadinho, calças afinando em funil, apertando os tornozelos, sapatos de bico de lancha, chapéu de feltro enterrado até a metade das orelhas. Telê procura esconder as pernas finas, o fiapo que ele é, nos calções largos e compridos. Ou então desafia a moda, fiel a um modelo que considera clássico.

Se a gente folhear os velhos álbuns, há de chegar a conclusões interessantes a respeito da evolução da moda em futebol. Porque o futebol obedece, também, aos ditames da moda. Tem os seus dândis, os seus ditadores de bom-tom. Marcos de Mendonça
(1) usava camisa tipo esporte, ampla, de mangas compridas. Os “outros” gostavam das camisas de lã, pesadas, como aquelas camisas usadas pelos boxeurs, pesos pesados, que precisam perder peso. Mais tarde é que apareceram as camisas de mangas, curtas, leves. Umas de seda. Outras de linho. E Marcos até hoje não compreende por que alguns goleiros abandonaram as mangas compridas. Ele não usava manga comprida por elegância. E sim por conveniência. Para amortecer a bola. Como uma ajuda para um controle mais perfeito da esfera de couro.

Não são os jogadores somente que mudam de camisa. Os clubes também. E o que faz um clube mudar de camisa? Em um dado momento o clube acha que a camisa está fora de moda. Que ela lembra 1908. O Flamengo já foi tricolor. A camisa dele tinha o preto, o encarnado e o branco. Quando o Brasil entrou na guerra, descobriu-se que o Flamengo tinha as cores da bandeira alemã. E isso bastou. O Flamengo tirou o branco da camisa. Ficou rubro-negro. O América, hoje camisa rubra, já usou camisa preta. À Vasco. E o detalhe serve para mostrar a influência portuguesa. O América era o Vasco – o clube da colônia – em novecentos e tantos. Havia uma preferência marcada pelas camisas de cetim. O Fluminense adotou a de malha. E hoje a moda é a camisa de malha.

A casa Clark anunciava botinas para futebol. Eram botinas pesadas, de bico quadrado, chapeadas. Boas para chutes fortes, então os chutes preferidos pela torcida e pelo jogador. Não se “descobrira” ainda o chute seco – o chute de um Nilo, com o pé de moça e chuteira macia como luva.
Em 1912 Belfort Duarte (2) mandou fazer chuteiras especiais. As chuteiras perderam o aspecto agressivo, famigerado, e tomaram um ar que poderia ser classificado de esportivo. Era um sapato ou botina comum, bem reforçada, e com travas, redondinhas, como pequenas rolhas. Mais tarde uma casa qualquer anunciou chuteiras Marcos. As chuteiras tomavam os nomes dos craques. E escolhia-se à vontade. “Eu quero uma chuteira à Marcos”. “Eu quero uma chuteira à Nery”. Calçá-las era estar na moda. Como foi moda calçar chuteiras brancas e pretas. Com bico estufado. Com amortecedores. E as chuteiras brancas? Quando houve um furor pelos sapatos vermelhos de mulher, salto Luís XV, Fortes deu uma demonstração de bom gosto, entrando em campo com chuteiras vermelhas.

O primeiro calção de futebol nasceu de uma calça velha, cortada um pouco abaixo do joelho. Era elegante esconder a perna. A meia devia subir até a altura da bainha do calção. Exceto se a camisa fosse de cetim. A camisa de malha tinha de ser vestida por cima, puxada até embaixo. Com o tempo, o calção foi encurtando, a camisa foi entrando por dentro do calção. Houve uma época, aqui, que coincidiu com a vinda de Bataclan para o Lírico, em que os calções de futebol quase anteciparam o V-8
(3). Curtíssimos. Mostrando coxas grossas e finas, alvas e negras, cabeludas ou depiladas. Eu me lembro, perfeitamente, do sucesso que fizeram os calções de Nestor, então o jogador mais bonito do Brasil, quando o Paulistano, chegando da Europa, enfrentou o Fluminense em Álvaro Chaves. A torcida toda assobiou coió para o “belo Nestor”. E ele, então, só de mau, não deixou Nilo fazer gol. Defendeu tudo.

Os calções de Nestor nem pareciam calções. Lembravam lingerie, escandalizando os pudicos das arquibancadas. Nestor, porém, tinha coisa para mostrar. Umas pernas grossas, roliças. E todo goleiro bonito, depois dele, fez o mesmo. Joel usava calção até em cima. Apertado nas extremidades, como ligas. Outros jogadores, porém, adotaram a moda, apesar de não terem aptidões para ela. Fausto não escondia as pernas finas de ripa que ele tinha. Friedenreich, porém, cioso da glória antiga, não teve coragem de encurtar os calções. Conservou os que usou em 19, quando marcou o gol da vitória contra os uruguaios.

O gorro teve a sua época. Distinguia os goleiros. O primeiro guardião que o usou aqui tinha um nome complicadíssimo, pronunciando-se Cruken. Não se escrevia assim, porém. Escrevia-se com uma porção de cês, agás e erres juntos. O lenço amarrado na cabeça foi introduzido por um centerforward do América, que estudava medicina: João del Nero. Píndaro, porém, preferia enfiar um gorro de marinheiro na cabeça, escondendo as orelhas, quase tapando a vista. Era o tempo em que se andava de chapéu pelo meio da rua. E, em campo, se tinha de botar qualquer coisa em cima da cabeça. Como se a exibição do crânio fosse quase imoral, chocante. Marcos, contudo, penteava o cabelo, bem penteado, e pronto.

Hoje a gente só vê na rua jogador de futebol de clube mambembe. Antigamente, havia uma espécie de footing dos craques. Eles saltavam na esquina e iam a pé até o campo, onde deviam jogar. Para imaginar a cena é preciso dar um pulinho aos subúrbios em dia de jogo. Aparecem os jogadores andando diferente. Uns com plena armadura. Já foi elegante “armar-se”. Botar duas joelheiras, duas caneleiras, duas tornozeleiras. E o jogador, com tudo isso em cima, se julgava muito mais jogador, embora quase não pudesse andar. Agora a gente acha graça, a graça gostosa da ironia. E, por uma associação de idéias, se lembra da Idade Média. Em 23 ninguém se escandalizava com a zaga do América, Durval e João Martins, que aparecia em campo carregando todos os recursos dos arsenais futebolísticos. A torcida do América ficava tranqüila. Dizendo que “assim” nenhum ataque invadiria a área dos rubros. Durval e João Martins eram a zaga “sem família”. E havia uma maneira especial de andar. Um craque não andava como qualquer pessoa. Tinha de “andar” como craque. Com os braços em asa e as mãos para trás.

Quem trouxe para cá a caneleira foi Welfare
(4). Ninguém se lembrava ainda da utilidade dos acolchoados por dentro das meias. Se se levava uma canelada, não se achava ruim. Era um osso do ofício, um “sem querer”. O “de propósito” veio depois. E os jogadores trataram de defender-se. Penaforte, por exemplo, passava uma hora se preparando para entrar em campo. Não se contentava com chuteiras. Enrolava as pernas em algodão. E quando ele aparecia dava a impressão de um doente de elefantíase. Penaforte, porém, usava duas pernas grossas. E Fernando Loup, que tinha uma perna mais grossa do que a outra? Também ele só usava a perna esquerda. A direita servia como muleta, para agüentar o corpo, que não era pesado. E não era só Loup. Encontravam-se a três por dois jogadores com uma perna mais grossa do que a outra. Sabia-se pela grossura das pernas se o jogador jogava na esquerda ou na direita. Qual o pé que ele usava.

Para que se veja a influência da moda basta comparar o caso de Osny e o caso de Nascimento. Osny usava pince-nez em campo. E Nascimento, que precisava muito mais de óculos do que Osny, só tinha coragem de ver através das lentes de grau quando acabava o jogo. Em campo ele percebia a bola pela sombra. Floriano chamava Nascimento de ceguinho. Assombrando-se de que Nascimento “visse” pelos pés. O público, porém, que admitiu Osny de pince-nez, não admitiria Nascimento de óculos. O pince-nez de Osny valia como uma afirmação de bom gosto e de amor ao esporte. Era um complemento. Tornando-se célebre, como a fitinha roxa de Marcos e a toalha enrolada no pescoço do próprio Osny, como cachecol. Mário Pinto Guimarães também usava óculos. Qualquer míope podia usar óculos. Não porque houvesse mais garantia, e sim porque a moda o permitia. Hoje um jogador, se quiser usar óculos, tem de entrar em campo de óculos escuros. Com aros brancos.

Agora não se usam mais gorros, não se usam mais bonés, acha-se horrorosa a camisa fora do calção, não se prega mais o escudo do clube na camisa com colchetes de pressão. E acabou o tempo das fitinhas roxas, do lenço pendurado ao cinto, moda introduzida por Luís de Mendonça, irmão de Marcos, do cinto. Nada de chuteiras brancas, ou vermelhas, ou amarelas, que tiveram a sua época: nada de cabeleira de poeta, revolta, à Chico Neto. Os calções desceram um pouco, as meias subiram, porque há bem pouco tempo os jogadores deixavam as meias caídas, mostrando as canelas nuas. Mas ainda se exibem as coxas, grossas ou finas. Telê é uma exceção com seus calções compridos, quase metodistas, pelo rigor moral. E os clubes não têm uma camisa só. Usam pelo menos duas, uma para a tarde, outra para a noite, branca como um dinnerjacket.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Mário Prata: "Você venceu"


Momentos antes de você ser gerado, nove meses antes de nascer, portanto, você tinha a companhia de três bilhões de espermatozóides ao seu lado. Não existe nenhuma regressão que faça com que você se lembre deste primeiríssimo momento da sua existência.
            Imagine a cena. Três bilhões de criaturinhas correndo desesperadamente atrás de um único óvulo. E, se você tem uma certeza na vida, é esta: só você chegou lá. Ou seja, você é um vencedor (a). Não sei como foi que eu e você conseguimos esta proeza. Talvez tenhamos atropelado alguns concorrentes, dado cotoveladas em outros. O fato é que estamos aqui. Eu escrevendo e você lendo.

Numa corridinha mixa de 100 metros numa olimpíada o sujeito ganha louros, medalhas e dinheiro. E concorre com quantos? Dez, doze pessoas. Mas eu e você corremos contra 2.999.999 (o número pode não ser muito exato, mas é por aí). E chegamos. E o mais trágico: todos eles morreram. Todos. Enfim, nascemos matando metade da população atual do planeta.

Chego a algumas conclusões. A primeira, inapelável, é que nascemos com culpa, meio sem graça, chorando. E já levamos um tapa na bunda para deixarmos de ser metidos e assassinos. Sim, todo mundo ao seu redor, te olhando no berçário, e pensando: e os outros? E os outros?

Por outro lado, deveríamos todo dia abrir a janela, olhar o dia e sorrir, pensando: eu consegui! Eu sou demais! E deveríamos estar feliz com a nossa condição de vencedores. A primeira batalha, a primeira maratona, contra bilhões, a gente venceu, Não bastaria isto para sermos eternamente felizes? Agradecer diariamente a nossa ovular vitória?

Vi no Fantástico de domingo que o terrorista Bin Laden já matou – com seus atentados – perto de cinco mil pessoas. Já o Bush com suas duas guerras, matou perto de 10.000. Quem é mais terrorista?

Talvez se o Bin Laden, quando o pai dele estava fazendo amor com a sua mãe (sim ele deve ter tido uma amada mãe), talvez se ele ficasse em segundo lugar, teríamos mais 4.000 pessoas vivas. E o Bush (com uma honrosa medalha de prata), teria deixado mais de 10 mil pessoas vivendo. Números pequenos, diante dos que eles deixaram para trás ao serem gerados e gelados.

Fiquei pensando nos espermatozóides que deixei para trás num dia qualquer de maio de 1945 (será que foi no dia D?). O que seria de cada um deles, se tivessem passado na minha frente? A única certeza é que teriam nascido no mesmo dia que eu. Poderia até ser uma mulher. Existe espermatozóida?

E, ainda abalado com os atentados na Espanha, penso nos espermatozóides. Já vencemos a nossa principal batalha, já deixamos para trás bilhões de futuros cidadãos. Por que queremos matar mais e mais e mais? Será que não basta ao homem ter vencido a sua principal corrida, a guerra do nascimento? Não deveríamos todos viver apenas para comemorar que conseguimos nascer, sãos e salvos, sem usar nenhum míssil, nenhuma granada? Ganhamos uma guerra jogando limpo. Apenas, sei lá como, fomos mais espertos e rápidos que os nossos outros companheiros de jornada, coitados (literalmente).
            A que óvulo estas pessoas que matam inocentes querem atingir? Uma ogiva? Por que eles não matam a própria mãe que os gerou e deixam o resto do mundo em paz?
            É, tem uns espermatozóides por aí que poderiam muito bem não ter chegado lá. Alguma coisa eles aprontaram lá dentro para chegarem na frente. Alguém foi subornado lá dentro. Pena que naquele tempo não tinha câmera para filmar as ações intra-uterinas e nem telefone grampeado.

domingo, 1 de abril de 2012

Rubem Braga: "Viúva na praia"

Ivo viu a uva; eu vi a viúva. Ia passando na praia, vi a viúva, a viúva na praia me fascinou. Deitei-me na areia, fiquei a contemplar a viúva.

0 enterro passara sob a minha janela; o morto eu o conhecera vagamente; no café da esquina. a gente se cumprimentava às vezes, murmurando "bom dia"; era um homem forte, de cara vermelha; as poucas vezes que o encontrei com a mulher ele não me cumprimentou, fazia que não me via; e eu também. Lembro-me de que uma vez perguntei os horas ao garçom, e foi aquele homem que respondeu; agradeci; este foi nosso maior diálogo. Só ia à praia aos domingos, mas ia de carro, um "Citroen", com a mulher, o filho e a barraca, para outra praia mais longe. A mulher ia às vezes à praia com o menino, em frente à minha esquina, mas só no verão. Eu passava de longe; sabia quem era, que era casada, que talvez me conhecesse de vista; eu não a olhava de frente.

A morte do homem foi comentada no café; eu soube, assim, que ele passara muitos meses doente, sofrera muito, morrera muito magro e sem cor. Eu não dera por sua falta, nem soubera de sua doença.

E agora estou deitado na areia, vendo a sua viúva. Deve uma viúva vir à praia? Nossa praia não é nenhuma festa; tem pouca gente; além disso, vamos supor que ela precise trazer o menino, pois nunca a vi sozinha na praia. E seu maiô é preto. Não que o tenha comprado por luto; já era preto. E ela tem, como sempre, um ar decente; não olha para ninguém, a não ser para o menino, que deve ter uns dois anos.

Se eu fosse casado, e morresse, gostaria de saber que alguns dias depois minha viúva iria à praia com meu filho — foi isso o que pensei, vendo a viúva. É bem bonita, a viúva. Não é dessas que chamam a atenção; é discreta, de curvas discretas, mas certas. Imagino que deve ter 27 anos; talvez menos, talvez mais, até 30. Os cabelos são bem negros; os olhos são um pouco amendoados, o nariz direito, a boca um pouco dentucinha, só um pouco; a linha do queixo muito nítida.

Ergueu-se, porque, contra suas ordens, o garoto voltou a entrar n'água. Se eu fosse casado, e morresse, talvez ficasse um pouco ressentido ao pensar que, alguns dias depois, um homem — um estranho, que mal conheço de vista, do café — estaria olhando o corpo de minha mulher na praia. Mesmo que olhasse sem impertinência, antes de maneira discreta, como que distraído.

Mas eu não morri; e eu sou o outro homem. E a idéia de que o defunto ficaria ressentido se acaso imaginasse que eu estaria aqui a reparar no corpo de sua viúva, essa idéia me faz achá-lo um tolo, embora, a rigor, eu não possa lhe imputar essa idéia, que é minha. Eu estou vivo, e isso me dá uma grande superioridade sobre ele.

Vivo! Vivo como esse menino que ri, jogando água no corpo da mãe que vai buscá-lo. Vivo como essa mulher que pisa a espuma e agora traz ao colo o garoto já bem crescido. 0 esforço faz-lhe tensos os músculos dos braços e das coxas; é bela assim, marchando com a sua carga querida.

Agora o garoto fica brincando junto à barraca e é ela que vai dar um mergulho rápido, para se limpar da areia. Volta. Não, a viúva não está de luto, a viúva está brilhando de sol, está vestida de água e de luz. Respira fundo o vento do mar, tão diferente daquele ar triste do quarto fechado do doente, em que viveu meses. Vendo seu homem se finar; vendo-o decair de sua glória de homem fortão de cara vermelha e de seu império de homem da mulher e pai do filho, vendo-o fraco e lamentável, impertinente e lamurioso como um menino, às vezes até ridículo, às vezes até nojento...

Ah, não quero pensar nisso. Respiro também profundamente o ar limpo e livre. Ondas espoucam ao sol. O sol brilha nos cabelos e na curva de ombro da viúva. Ela está sentada, quieta, séria, uma perna estendida, outra em ângulo. 0 sol brilha também em seu joelho. O sol ama a viúva. Eu vejo a viúva.
(Rio, setembro, 1958)