quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Luan Freitas: "O tesouro escondido"

Este foi o belo conto que Luan, da 801, escreveu a partir de "Os desastres de Sofia", de Clarice Lispector:

Eu trabalhava como contador em um banco cujo nome já não lembro. Quando ele foi à falência, fui obrigado a procurar emprego. Encontrei uma escolinha de primário e lá me instalei. Na época já estava viúvo e não cheguei a ter nenhum filho. Já tinha desistido de tudo.

Foi naquela escola que conheci Sofia, a diabinha que fazia questão de me afundar cada vez mais. Via-se que a turma inteira era passiva durante minhas aulas, isto é, ficava lá sentada e olhando para o quadro, porém seus olhares eram vazios e suas cabeças deviam estar ainda mais. Mas Sofia era especial. Além de ignorar meu discurso, me desafiava e lançava um olhar feroz, percrutando todo o meu interior. Maltratava-me, fazia-me gaguejar... e me entendia. Sim, ela entendia o meu sofrimento diário, e era cruel comigo por causa disto. Só até o final do ano, eu pensava, só mais um ano e acabo com essa farsa de marionetes que fingem dar aulas e que fingem aprender.

Ir dar aula era sempre um martírio. Acredito eu que estava já por aquele ano pegando o espírito de professor. Me abalava ver a falta de atenção dos alunos e a minha inutilidade em ensiná-los. Por ela me perturbar e não ser indiferente, eu odiava e amava Sofia. Eu a punha no fundo da sala, tentava ignorar a sua presença, mas meu olhar se atraía por ela e eu desviava a cabeça, tremendo.

Decidi passar uma redação para eles. Contei-lhes uma história sobre um homem pobre que sonhou com um tesouro e passou anos procurando-o. Sem obter sucesso, ele volta para casa. Lá fez uma horta para se alimentar e, de tanto plantar e vender, acabou ficando rico. Uma onde infantil ao trabalho duro. Foi isso que a maioria das crianças concluiu quando mandei-lhes escrever o texto com suas palavras. Sofia não. Depois de escrever o texto voando e me entregar a redação miúda, Sofia saiu correndo para o recreio. Decidi então ler a redação dela para passar o tempo. Lembro que ela concluíra dizendo que não é preciso trabalho duro e sim saber encontrar o tesouro que se esconde. Ora, eu que procurava tão desesperadamente uma maçaneta que abrisse novamente a porta das alegrias da vida, descobri na ponta do meu nariz o meu pequeno tesouro!

Nenhum comentário:

Postar um comentário